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domingo, 21 de dezembro de 2014

O RELÓGIO...

Assim como nossa família um dia ele chegou da Alemanha, de navio com certeza, quais caminhos trilhou nenhum de nós sabe ou lembra, mas um dia ele chegou na nossa família, inaugurando seu começo há exatos 90 anos, presente de casamento para os meus avós. 

Caminhou bastante pela roça até chegar em seu endereço anterior, provavelmente de carroça, chegou a Itapetininga, primeiro na General Carneiro, na esquina com a Quintino, depois subiu, instalou-se na Monsenhor Soares 19 com vizinhos ilustres, até um ex presidente da república. 

Durante anos ficou do ladinho da sala, no caminho da copa, até que no fatal fim do Estado Novo, enquanto o assustado retrato de um morto Getúlio saía de seu lugar de destaque e se escondia no fundo de um guarda-roupa (meu avô nunca foi perfeito, mas eu o amo mesmo assim), o relógio assumiu seu lugar no centro da sala, em cima da cristaleira. 

Imponente, jamais se calava sempre cumprindo seu dever. Não agradou a todos, o mais velho dos meus tios exercia seus direitos de primogenitura parando seus passos em nome de uma noite de sono sem barulho. Um personagem badalado, literalmente de meia em meia hora inexorável marcando a nossa vida, por anos suas bronzinas pancadas desciam de 12 a 0 para recebermos o Ano Novo, até que foi injustamente substituído por uma contagem triste, distante, carioca, feita por um apresentador obeso e insosso, fiquei triste, mas fazer o quê? Tradição exige um entendimento superior pra ser respeitada.

Apesar de tudo ele continuou lá, avisando minha avozinha cansada de suas horas de comer, meu avozinho já alienado da hora do programa querido. Viola Minha Viola o encontro semanal dele com a Inezita, com a sua vida, com as suas raízes. Marcou ainda as meias noites que entrávamos no quarto dos dois amados velhinhos, para desejar natais e réveillons a eles que já não mais percebiam, não viam o tempo passar, não da mesma forma. 

Debaixo dele abraçamos, desejamos, ofertamos, prometemos, cumprimos, descumprimos, perdoamos. Debaixo dele nos formamos, nos casamos. Com a partida dos dois, fechou-se um ciclo; já então ele tinha badalado 64 anos de história com os dois. Mas nem na ausência do casal cuja vida ele medira minuto a minuto a voz dele se calou. Ele continuou marcando as horas; na sua corda necessária meu tio Nenê encontrava motivo pra retornar àquela casa vazia de pessoas, mas tão cheia de lembranças. Por mais muitos anos ele continuou medindo nossas vidas, ora eu ora o tio nos encarregávamos que não parasse, que estivesse ali marcando os momentos de nossa família. 

Ainda se seguiram muitos Natais, muitas entradas, fomos crescendo, e nos desconhecendo cada vez mais... até que 90 anos depois do início dessa bela história ele finalmente mudou de lugar, pela primeira vez de carro, de avião. Depois de medir o passar de 5 gerações esse alemão mudou de casa. Tá aqui herança abençoada de meus amados avós. Que eu possa ser digno do teu testemunho e que o tempo que me meças seja tão digno e honrado quanto o daqueles que te receberam quando se juraram amor eterno. Ele tá aqui, com quem sabe tudo o que ele representa. Madeira, Vidro, Bronze, Engrenagens e História, uma bela história, uma emocionante história, uma história que ainda não acabou pois ele vai acompanhar as lembranças de 5 gerações de Thibes que foram felizes, tristes, realizados, amados, sob suas intensas badaladas. ELE MARCOU MUITO MAIS DO QUE SÓ O TEMPO....

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