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sábado, 31 de janeiro de 2015

Do exercício do poder.

Em um projeto voluntário do qual participo, diariamente aprendo algo novo sobre o ser humano, sobre ajudar, sobre aprender, sobre disciplina, sobre caridade, sobre generosidade, sobre tolerância e principalmente sobre Poder.

Esta instituição da qual faço parte como voluntário, tem uma rígida hierarquia a ser seguida e respeitada, avançar dentro dela exige conhecimento, estudo e muita disciplina.

Esta hierarquia é concedida, teoricamente por méritos alcançados até a chegada ao cargo máximo de liderança. Esse cargo máximo de liderança tem seus requerimentos.

Como em qualquer hierarquia humana, nem sempre são méritos os que nos colocam em um determinado lugar, política, interesses, jogos de poder, às vezes colocam pessoas despreparadas em lugares chave. Aí temos a diferença entre o Chefe e o Líder.


Em primeiro lugar, um líder é alguém que conhece seu pessoal a fundo, que se envolve em seu dia a dia respeitosamente, que demonstra preocupação com seus liderados, que se solidariza, e que está disponível para ajudar e orientar a todos os que precisam.

Nesta instituição à qual pertenço ocupando o cargo mais baixo da hierarquia, reconheço que há duas pessoas que reúnem essas capacidades uma, ocupa sabiamente o posto máximo da hierarquia; a outra, é tão somente um líder, ou como dizem seus detratores, não é ninguém ...

Um verdadeiro líder:
  •  é aquele que começa por dar o exemplo, é o primeiro que chega, e o último que sai e não antes que todos tenham sido atendidos, ouvidos ou encaminhados.
  •  é aquele que não só conhece os rituais da função, mas que os vivencia e não se limita somente a reproduzi-los.
  •  ensina seus liderados de forma sábia e cuidadosa, e só chama a atenção com firmeza daqueles que tinham obrigação de saber.
  • não precisa mandar, ele pede, ele sugere, ele agradece, os liderados fazem porque respeitam o líder, não porque o temem.
  • delega funções, mas sabe que a responsabilidade pelo sucesso continua sendo sua, portanto supervisiona para evitar erros e acima de tudo sabe que se algo der errado a culpa é sua por haver delegado para a pessoa errada.
  • não precisa exibir nem declarar sua posição, ela aparece naturalmente. Se ele precisa constantemente lembrar aos outros que ele é o líder então ele não está sabendo liderar, e provavelmente outro mais competente para a posição começa a se destacar naturalmente.
  • não exige ser honrado, pelo contrário, coloca-se por último, e aguarda, se for reconhecido como tal, tem nesse reconhecimento a sensação do dever bem cumprido. 

Um  verdadeiro líder é alguém que recebe o Poder para exercê-lo não para impô-lo. 

O que faz um verdadeiro líder é dedicação, humildade, esforço, respeito ao próximo e sabedoria. Isso não vem com o cargo, nem com a patente, nem com as guias...

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Da Série Coletivos Capítulo 4: Por favor Professor sente aqui.

Você aí que é professor. alguma vez já te perguntaram com o que você realmente ganha a vida? Ou quando você é uma pessoa que de algum modo se destaca socialmente, e alguém pergunta, "mas você é mesmo só professor?"

Um sujeito entre uma viagem e outra dele pelo mundo afora, vivia me perguntando quando eu iria ter uma profissão de verdade. Tenho absoluta certeza que a rapidez de sua estadia se devia à vergonha que ele sentia por ter um filho professor, não executivo, não diplomata, não juiz,... professor.

Por escolha professor, por opção professor, por 25 anos, professor. Nesse meio tempo também fiz uns bicos, de gerente de multinacional, de coordenador de comércio exterior, mas sem nunca deixar de ter ao menos uma sala de aula. Um lugar onde me sentia importante, não porque estava rodeado de colaboradores aduladores, nem porque ganhasse uma fortuna, ou porque coordenasse uma equipe enorme, me sentia importante porque ali eu era importante. Estava ajudando ativamente no crescimento e no aprimoramento de seres humanos, abrindo horizontes, fazendo pessoas acreditarem-se capazes.

Alguns de meus melhores alunos lerão estas linhas e se reconhecerão nelas, pois a uns poucos eu contaminei com esse amor incondicional ao conhecimento e hoje são também professores  e professoras. Fui até professor de professores, onde aprendi e ensinei, a ensinar...

Sei que mudei muitas vidas, mas confesso que alguns dos momentos mais especiais desta minha moralmente recompensadora carreira como professor foram aqueles cuja remuneração única era a satisfação de estar ensinando. Eram as turmas voluntárias dentro das empresas em que trabalhava.

Daí o fato que de certo modo resume toda minha escolha por dedicar um quarto de século da minha vida ao magistério ter acontecido em um ônibus.

Eu morava em Sorocaba, diariamente tomava 3 ônibus para ir ao trabalho, saindo do Jardim Ouro Fino, tomava o ônibus lotado, aproveitava a ajuda que a inclinação da subida da Av Américo Brasiliense dava para literalmente escorregar entre os demais passageiros até o fundo do ônibus onde o ar ainda podia ser respirado, ou onde havia espaço para dilatar os pulmões ao menos.

Dali chegando ao terminal Santo Antonio, tomava o Expresso que me conduzia ao Terminal São Paulo de onde pegava o derradeiro suplício matinal, o Éden. Ônibus que atendia ao distrito industrial da industriosa cidade conhecida como Manchester Paulista. A partir da saída do ônibus do terminal eram cronometrados 35 minutos até a parada mais próxima de nosso destino, a empresa onde trabalhávamos. Digo nosso porque éramos sempre cinco os que tomavam esse coletivo, quatro rapazes da linha de produção e eu da área administrativa.

Em uma ambição justa de poder crescer dentro da empresa, uma multinacional alemã, os jovens operários decidiram por fazer um curso de idiomas, dados os parcos recursos financeiros que tinham acabaram por escolher uma arapuca local com nome de duas letras, que conseguia transformar um semestre de um curso convencional em quase dois anos de curso com mensalidades a preços irrisórios. e que pagava salários irrisórios aos professores diga-se de passagem.

Todos os dias pela manhã eles levavam a apostila do curso de Inglês para o ônibus e aproveitavam o percurso até a empresa para fazer um tira dúvidas comigo, e praticar um pouco do que tinham aprendido. Fazíamos isso a princípio de pé perto do fundo do ônibus. Ficava bastante incômodo tanto para mim quanto para eles fazer as correções na apostila ou ler os textos em voz alta. Sem contar a vergonha de fazer isso com tanta gente olhando e prestando atenção nesse plantão de dúvidas. 

Mas curiosamente, considerando que os frequentadores do ônibus eram quase sempre os mesmos, por questão de horário, começaram a me receber na fila com um sorriso e um bom dia. E com o passar dos dias os dois bancos do fundo começaram a aparecer sempre vazios para nós, eu de pé eles sentados fazendo sua lição, enquanto isso os outros passageiros, mantinham um respeitoso silêncio ao nosso redor. 

Me lembro até hoje uma vez que cheguei um pouco atrasado os rapazes já estavam na fila e eu fui me colocar ao final dela, quando todos que ali estavam me disseram: Não Não, vá na frente, vá com eles Professor.  E ponho aqui Professor com maiúscula, porque na boca e nos olhos deles o respeito dado ao pronunciar a palavra era maiúsculo. Professor.

Os motoristas mudavam de vez em quando e a história foi se difundindo... 

Uma vez um candidato a vereador deu uma fechada no ônibus em frente à rodoviária para deixar sua esposa, parando exatamente no ponto de ônibus, durante dez minutos fiz um verdadeiro comício contra o arrogante em frente ao ponto de ônibus, ao subir no coletivo, o motorista agradecido me disse, Valeu Professor, enquanto todos os passageiros sorriam pela minha atitude.

Outra vez, para defender duas meninas que estavam sendo vítimas de assédio, acabei me engalfinhando com um sujeito dentro do ônibus que vinha da cidade universitária, o motorista parou o ônibus na frente do posto policial do terminal, o tarado e eu saímos conduzidos, atrás de mim, vinte alunos com RG na mão para se oferecer como testemunha, "o Professor tava defendendo as minas seu guarda"

Durante anos, sempre que subisse a um ônibus em Sorocaba, ao dizer Bom Dia ao motorista, recebia um respeitoso sorriso e a retribuição Bom Dia.  Professor...





Da Série Coletivos Capítulo 3: Me respeite que eu sou bandido!!!!

Quando andar de ônibus em Goiânia, você sempre terá um choque de realidade. Andar de coletivo em Goiânia é ter uma amostra clara da ineficiência de absolutamente todos os sistemas nacionais em um só momento.

Educação em Casa: Ninguém respeita fila, passageiro não respeita o motorista e nem o motorista respeita o passageiro. Normalmente quando dou Bom Dia! ao motorista, ele me olha com cara de admiração como se a única coisa que ele pudesse esperar do passageiro é alguma interjeição em referência à sua mãe. Ninguém dá o lugar para quem precisa, e na maioria das vezes não respeita nem os assentos demarcados. Janela definitivamente é lixeira.

Educação no Trânsito: Não se respeita faixa de pedestres nem dentro dos terminais, semáforos são para os fracos e amarelo aqui significa ande mais rápido!!!

Fiscalização: Inexiste, a quase totalidade dos ônibus é ultrapassada, mal cuidada, barulhenta e acima de tudo porca.

Segurança: Inexiste, quem entra em um terminal achando que está protegido de alguma coisa, está totalmente enganado, a bandidagem faz arrastões sem dó nem piedade e, principalmente, sem punição.

Pontualidade: A palavra Pontual só se usa aqui na hora que a reclamação vira quebra quebra e os Mentirosos Concursados aparecem diante das câmeras de TV para dizer que o atraso naquela linha é um caso pontual. Mentira completa e deslavada nem os ônibus e muito menos os atrasos são pontuais, aliás nem sequer a incompetência é pontual ela é geral assim como a cegueira voluntária do governo que se nega a enxergar tudo isso vai $$$aber porquê....

E já que estamos falando de criminalidade, vamos falar da mendicância profissional, dia desses estava eu dentro de um ônibus da Metrobus de Goiânia, também conhecido como Eixão e que é visto pelo Governo do Estado como motivo de orgulho. Quando chove seu corredor exclusivo inunda totalmente por falta de escoamento e os coletivos bi e tri articulados passam levantando ondas dignas de um Gabriel Medina sobre passageiros e veículos que andam nas pistas laterias, vive absolutamente lotado praticamente o dia inteiro sendo que é quase impossível subir ou descer dele sem agredir alguém, nem sempre involuntariamente. 

Então, voltando ao assunto, estava eu dentro de um desses exemplos de competência e orgulho governamental quando um rapaz de uns 30 anos mais ou menos, pele judiada pelo sol, cabelos loiros emaranhados, segurando um boné nas mãos começa a contar uma triste história de que seria "portador de câncer" e que estava em Goiânia para fazer quimioterapia mas que não tinha dinheiro pra voltar pra sua cidade de Anápolis (a passagem para Anápolis custa menos de R$10,00) e que ele além de tudo estava com fome. 

Nesse exato momento, entrou no ônibus um sujeito maltrapilho, fedendo, cabelo totalmente desgrenhado visivelmente alterado por alguma droga; dirigiu-se à frente do ônibus e mandou que alguém se levantasse que ele queria sentar. A pessoa que se encontrava ali sentada, já programada e condicionada ao medo criado pela incompetência policial-judiciária-carcerária deste país, saiu dali correndo. Imediatamente após sentar-se o marginal mandou o pedinte calar a boca pois a conversa o estava incomodando.

Ato seguido o pedinte pareceu crescer uns 10 cms de altura, ergueu os ombros endireitou a postura e gritou "Cala a boca você preto fedido, você não sabe com quem tá falando. Eu sou bandido, você me respeita!!!!"

A porta se abriu e eu desci, mais uma vez, antes do meu ponto. Aquela frase gritava dentro dos meus ouvidos, e eu gritava contra aquela frase: Não!!!! Eu não te respeito!!! Mas esse grito ficou trancado na minha garganta, assim como todos os outros; o grito que eu queria dar contra quem fura a fila, o grito que eu queria dar contra o motorista que quase me atropela na faixa de pedestres, o grito que eu queria dar contra o ônibus que atrasa, o grito que eu queria dar contra o desconforto, o calor, a sujeira e o barulho dentro do ônibus, o grito que eu queria dar contra o ladrão que rouba no terminal e dentro do ônibus, o grito que eu queria dar contra a policia que não chega, a justiça que não prende. O grito ficou aqui preso, aliás a única coisa que ainda fica presa neste país é o grito de desespero dos justos e dos inocentes... 

O bandido, tem direito a três refeiçoes, e até salário. O bandido tem direito a progressão de pena, visita íntima, banho de sol, saída de Natal, indulto, não precisa trabalhar e nem muito menos ressarcir o Estado do custo da sua reabilitação. O bandido tem direito a ampla defesa e tratamento humanizado. O bandido tem direito a advogado gratuito oferecido pelo Estado, cujo salário nós pagamos com nossos impostos.

E assim, enquanto mais esse grito descia queimando pela minha garganta para compor minha gastrite, eu percebi que naquele comando do pedinte, orgulhosamente autopromovido a bandido, estavam embutidas décadas de árduo trabalho dos Legi$ladores Brasileiro$ para a proteção dos criminosos e a opressão dos humanos direitos, falsamente usando a bandeira dos direitos humanos. 

Nosso governo, com certeza, respeita o bandido e muito mais que o cidadão honesto que paga caro o salário dos governantes... Porquê $$$erá?


domingo, 11 de janeiro de 2015

Da Série Coletivos Capítulo 2 - Sobre as tentações

Eu estava quieto no meu canto, juro que estava, e estava até sozinho, era um Sábado de tarde, o ônibus quase vazio, e então ele entrou, o sapato puído, a calça preta a camisa branca fechada até o colarinho o fatídico livro já gasto debaixo do braço e o principal, o olhar, aquele olhar tomado de uma certeza que só os estúpidos e os loucos se atrevem a ter. Aquela certeza que independe do nome do objeto de adoração, aquela certeza que chuta imagens, que degola pessoas, que mata cartunistas. Aquela certeza que coloca a tua crença acima do bem e do mal, que faz do teu acreditar, o acusador, o juiz e principalmente o carrasco.

A convicção dele era tanta que nem se deu ao trabalho de pedir licença para começar a diatribe, a certeza era tanta que acredito ele nunca abrira o livro para ler, e saber se realmente as suas citações ali se encontravam. Pouco interessava para mim como ele chegara ali até onde ele dizia que chegou, o curioso daqueles sapatos puídos e daquela camisa branca de segunda ou terceira mão e de colarinho gasto é que elas representavam que ele havia chegado ao ápice de alguma coisa. Sua certeza o colocava em um topo, ele se sabia possuidor de algo maior e que tinha obrigação de compartilhar conosco, que a seus olhos ainda éramos imperfeitos, fracos, titubeantes e ignorantes dependendo tão somente da poderosa revelação que ele e somente ele tinha a nos oferecer.


Mas ele não pediu licença, e começou a vociferar suas religiosidades invadindo meu silêncio e a privacidade dos meus pensamentos, atrapalhando meu raciocínio, esvaindo minhas idéias. Aquele olhar intenso mas sem profundidade que só um cego de alma consegue dar passou por mim, e captou minha insatisfação com a invasão imediatamente. Não que eu tivesse dado qualquer sinal, Mas talvez pelo simples fato de eu não estar olhando pra baixo, nem repetindo amens ou aleluias. E o discurso passou a ser unidirecional, como tentando captar em mim onde estavam meus demônios, assassinando o português, o que tornava o discurso ainda mais lamentável, o orador inflamado, criticava religiões, uso de todo tipo de entorpecentes lícitos ou não (menos o que ele carregava sob o braço), orientações e práticas sexuais tentando ler em meu rosto qual daquelas seria minha fraqueza. Sem sucesso, mas ainda sem desviar os dois carrascos de mim, como se falasse diretamente ao próprio Satanás me apresentou com riqueza de detalhes ao Seu Deus, não um de amor, perdão e misericórdia, mas um de exércitos. Não um que morreu para me salvar, mas um que está para me condenar. E por aí foi até que me deparei com o fato de que realmente estava eu a perder minha alma profundamente tentado entre três pecados capitais; a Soberba de achar que eu teria algo para ensinar para esse sujeito, a Ira de voar no pescoço dele e fazê-lo engolir o livro, e a Preguiça de escolher continuar meu percurso à pé a continuar a ouvi-lo.

Levantei-me toquei a campainha quase 2 kms antes de meu objetivo e desci, salvando assim minha alma.  

Mas após essa santificada decisão de rejeitar os três pecados ainda grita em mim uma dúvida, se o céu for realmente para "os escolhidos" como ele; salvar-me para quê? 

Da Série Coletivos Capítulo 1 - Infinito enquanto durou...

Teria eu uns 19 anos talvez, Dos de hoje minha inocência me colocaria perto dos 16 talvez menos. Mas era isso uns 19 anos. Na época morava em São Paulo, Em um exílio familiar autoimposto, voltei para minha tão idealizada Pátria Mãe sem entender que meus problemas, temores, dificuldades, dúvidas, inseguranças, jamais ficariam retidos na alfândega. 

Mas que dizer aos 19 anos somos seres todo poderosos que subimos ao alto de montanhas para gritar nossas absolutas verdades (frágeis verdades) e se não aprendermos nada da vida, aos 40 estaremos no fundo de profundas cavernas ainda tentando protegê-las da tormentosa realidade. 

Porém eu tinha 19 ainda, e problemas, temores, dificuldades, dúvidas, inseguranças, eram irreconhecíveis, inaceitáveis e no máximo culpa dos outros...

Naquele tempo morava na Vila Mariana e estudava nas imediações da Avenida Paulista, meu companheiro de aventuras era o Jardim Miriam, em sua desagradável coloração marrom e azul, enfrentava as sinuosas e estreitas curvas do Paraíso para me levar ou trazer da faculdade. Eu achava que era o ônibus mais decadente, e deprimente desta nação, até tomar o 575, Terminal Bandeiras, Vereda dos Buritís, hoje a linha mais religiosa do Brasil pois todos nós passageiros percorremos os 18 minutos de seu trajeto na mais intensa oração para que essa barca velha chegue ao seu destino inteira... e que o presidente desta empresa de coletivos dependa desse carro especificamente quando seu coração estiver quase parando para chegar a algum hospital...

Mas voltando ao passado. foi um dia diferente, a sensação de irrealidade começou ao subir no coletivo, que se encontrava quase vazio, um quase vazio com rufar de tambores, e refestelar de sinos, pois nunca d'antes naquele horário, naquela época do ano (dias normais, nada de férias, feriados, greves ou passeatas), estivera assim vazio. A segunda sensação surreal foi a de subir a um coletivo em plena Paulista, e poder escolher um lugar para sentar. Fundão claro, (se esta merda explodir o motor está la na frente, se o freio falhar bate a frente primeiro). E me sentei, pude até abrir as pernas ao sentar!!! Estava no Paraíso... e nem me refiro ao Bairro, 

No ponto seguinte as coisa pareciam tomar um ar de normalidade uma imensidão de pessoas entrou no ônibus e os poucos lugares que permaneciam vazios foram ocupados, minha aura foi invadida por outras presenças e fui obrigado a recolher os pés, para decepção de meus genitais que voltaram a uma situação de aperto.

Preocupado já com a lotação do ônibus, minha visão periférica sentiu um sabor doce, e um aroma suave de romance invadiu os meus olhos, enquanto minha língua se arrepiava de prazer e um gosto forte de paixão invadiu de repente as palmas das minhas mãos ouvindo que minha nuca gritava os cabelos em pé ao perceber aquela imagem. De cabelos negros como só o contraste com o branco da pele é capaz de realizar, de lábios vermelhos como só o branco da pele é capaz de realizar, de olhos verdes como só o branco da pele é capaz de realizar e de dentes brancos como só o vermelho da boca é capaz de realizar, ela era tudo como só a perfeição da natureza em contraste com o amor adolescente é capaz de realizar, e então...

Com a certeza do nascer e do por do sol a cada dia, eu sei que já a amava, e apesar da boca seca e travada o olhar deu o necessário grito, que entrou pelos olhos dela e ressoou nos ouvidos dela que me respondeu em vermelho, vermelho das faces brancas que se encheram subitamente de mim, vermelho de uma boca que se abriu em um sorriso, suave, profundo, daqueles sorriso que invadem o rosto todo, tomando conta dos olhos. Naquele momento eu soube que ela também me amava, profundamente, infinitamente, e nossos olhos não se desgrudaram por um instante enquanto ela descia do ônibus, e ficava ali parada, me olhando e eu a ela, nos conhecíamos tanto, e entendíamos tanto um ao outro que ali naquele momento sabíamos que jamais voltaríamos a amar ninguém daquela forma, tão perfeita e intensa, nossas mãos se elevaram juntas em um aceno enquanto o ônibus partia comigo dentro selando nosso destino.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

O Ódio está na moda. Eu odeio o Ódio

Ultimamente parece que todos amam odiar.

Basta entrar em um buscador de comunidades de páginas sociais ou até blogs e vc verá que a imensa maioria dos temas começam com "Eu odeio..." . Há os ódios cidadãos como Eu Odeio ... um partido, um político, a corrupção, o transporte coletivo etc. Há os ódios artísticos como Eu Odeio... rap, rock, sertanejo, pagode, gospel, este cantor, aquela cantora etc. Há os ódios ideológicos, Eu odeio a esquerda, a direita, os carnívoros, os veganos, os ruralistas, os ecochatos. Há os ódios religiosos, os ódios raciais, os ódios sexuais, os ódios sociais ou classistas. Sem contar os ódios esportivos, entre torcidas principalmente.
Pablo Picasso - Guernica

O que parece ter mudado atualmente é que os ódios parecem existir sem uma motivação lógica. O ódio aos judeus por exemplo, sempre teve uma motivação financeira por trás da religiosa, ou posteriormente da racial, eliminar os judeus implicava em apoderar-se de suas riquezas, assim sendo encontrava-se uma motivação para justificar sua eliminação e "santificar" a apropriação.

O ódio aos muçulmanos na Idade Média, era o meio de conservar o controle das rotas comerciais entre o Oriente e o Ocidente e toda a riqueza que isso implicava.

O ódio aos negros, no período pós-escravidão, quando os mesmos que estavam já acostumados com tão pouco, aceitavam empregos com salários aviltantes para poder sobreviver, deixando os brancos sem emprego ou tendo que reduzir suas pretensões para permanecerem competitivos no mercado de trabalho.

José Clemente Orozco. La Conquista Española.
Mas e hoje? Qual a justificativa para o ódio? Vender armas? Controlar povos? Controlar fontes de recursos? Sim, para os grandes ódios mas, e os pequenos ódios porque tão na moda?  Porque odiamos no trânsito, odiamos nossos vizinhos, porque odiamos esta ou aquela facção religiosa, porque odiamos uma determinada orientação sexual, porque odiamos quem torce pra outro time de futebol, porque odiamos quem tem opinião divergente da nossa? Porque dispendemos nossos ódios pra tanta coisa quando seria mais fácil odiar a corrupção, odiar o tráfico de drogas, odiar a criminalidade e nos focar tão somente nisso?

Porque odiar é mais fácil, odiar é descartar, odiar é consumista. Amar, perdoar exigem comprometimento, responsabilidade, sacrifício e paciência. Amar, perdoar, tolerar exigem coerência, constância, permanência. Todas essas virtudes necessárias para Amar, hoje são vistas como fraquezas, motivo de burla, tédio, como características associadas a religiosidade ignorante. Hoje não basta você amar muito alguma coisa, para demonstrar seu amor você tem que odiar o concorrente, não se pode amar Lady Gaga adequadamente sem odiar Britney Spears ou Katy Perry. Não se pode amar o Palmeiras sem odiar o Corinthians. Não se pode amar um churrasco sem odiar os veganos e por aí segue. A verdade é que o ódio é mais mercadológico que o amor, porque o amor compartilha, o ódio não. O amor derruba muros, o ódio vende cerca elétrica e arame farpado. O amor agasalha, o ódio vende colete à prova de balas. O amor faz todos se divertirem na rua, o ódio vende ingresso caro pra se divertir com segurança. O amor gera a caridade, o ódio recolhe dízimo. O amor acolhe a todos, o ódio só aos "escolhidos". Graças a isso hoje ninguém mais conversa, processa. Ninguém mais aconselha, bloqueia. Ninguém mais aceita, termina. Ninguém mais tolera, agride. Ninguém mais ajuda, condena. Ninguém mais perdoa, mata. 

E todos têm justificativas para seus ódios, religiosas, familiares, econômicas, sociais. Só não conseguem perceber que a satisfação obtida por dar vazão aos seus ódios, nunca sacia, nunca preenche o vazio, sempre precisa de mais, insaciável, a violência gera a violência, o preconceito gera o preconceito, a agressão não pode ficar sem resposta, e um esbarrão na rua, termina em morte. 

Uma curiosidade, nenhum animal, criado na natureza odeia, lutam, se defendem, protegem seu território, seus bandos, suas crias, caçam, matam só o que precisam pra comer ou pra sobreviver e comem, mas não odeiam. Só são capazes de odiar os animais que vivem em contato com o homem. Odiar é uma capacidade unicamente humana, não instintiva, odiar é sim uma escolha, odiar é sim uma opção e curiosamente, odiar, sim, é uma opção que vai contra a nossa natureza, odiar, sim, é uma opção que vai contra as leis do Universo. 

Ou tem como acreditar que o ódio seria capaz de criar algo tão perfeito como o Universo? 


quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Quando conheci meu melhor amigo.

Eu teria mais ou menos três anos de idade, morando ainda na cidade de Mauá - Grande São Paulo. Naquele tempo ia a um Jardim de Infância de uma instituição religiosa cujo nome nem me lembro mais. Lá tínhamos o carinho da bondosa Madre Aurora, aliás a única realmente amorosa dentre as rígidas freiras que nos atendiam. Lembro-me que ela adoeceu e não mais ia à salinha nos cuidar, estava proibida de receber visitas pois convalescia na clausura. O que jamais impediu que eu me esgueirasse pelos corredores do convento e acabasse sentado em sua cama conversando com ela. Me pergunto hoje se eu era tão bom assim nas técnicas de infiltração ou se alguma outra madre entendia que o carinho de uma criança de 3 anos pode ser o mais ingênuo e puro remédio para uma alma enferma. Sempre a encontrava lendo, e lhe pedia que me contasse o que estava nos livros. 

Naquele mesmo ano, meu pai foi transferido para a cidade de Mogi das Cruzes para onde nos mudamos, Lá, nos fins de semana, que era a única parte da semana em que ele nos encontrava acordados, eu o podia ver lendo, era um livro de capa grossa vermelho sangue, com escritos dourados no lombo. Me lembro de vê-lo rir olhando para o livro. Pedi que me contasse o que lia, ele me disse: quando você aprender a ler eu te deixo pegar os livros. Nada de leitura antes de dormir, ou contação de história, aí toda a motivação que eu teria; e toda a que precisei. Com a mesma capacidade de atenção que qualquer criança de 3 anos, a cada instante aparecia para minha mãe com alguma página de jornal ou revista, ou embalagem de algum produto e perguntava o que estava escrito ali. Minha mãe repetia cuidadosamente as sílabas, e esperava que eu repetisse as mesmas. Ao cabo de um ano, em um outdoor, de dentro de um carro, minha primeira leitura, meu primeiro texto manifestado em voz alta: Co-ca-co-la. Imediatamente meu pai parou o carro. "Onde?" me perguntou apontei para o letreiro vermelho com as características letras brancas, minha mãe disse: "Ele está só associando imagens". Fiquei com o ego ferido e comecei a ler tudo o que via escrito nos letreiros ao lado do comercial do refrigerante. Arrematei com "Posso pegar os livros agora?" E recebi mais uma vez a frase que acompanharia todos os meus dias, a que precederia sempre um Não ou uma amarga discussão antes de um árduo SIM, "vou pensar". 

Ao dia seguinte quatro gibis, Mônica e sua Turma, Cebolinha, Pato Donald e Mickey aterrizaram em minhas mãos. "quando vc for capaz de entender a história e contar pra mim; poderá pegar os livros". Nunca aceitei um "não", nem o da pílula anticoncepcional que minha mãe tomava quando engravidou de mim; portanto o desafio não me impediria de conseguir o que eu queria. em questão de semanas o primeiro dos livros vermelho e dourado estava em minhas mãos. Meu Primeiro Amigo. E a partir daí nunca mais parei.

Reinações de Narizinho foi o primeiro, e depois O Sítio do Picapau Amarelo, Viagem ao Céu, o Saci, Gramática e Aritmética da Emília, História do Mundo para as Crianças, Geografia de Dona Benta, Fábulas, Histórias de Tia Nastácia, o Minotauro, o Poço do Visconde, os Doze Trabalhos de Hércules. Cada um deles devorado durante o dia todo e parte da noite escondido debaixo do cobertor na luz de uma lanterninha. Como qualquer criança que assiste ao mesmo filme várias vezes, cada livro foi lido várias vezes. Até que finalmente entrei na escola, quem conhece as obras de Monteiro Lobato sabe que ao ler os tais livros (história, geografia, gramática, aritmética) entrei na escola com toda a bagagem curricular da primeira à quarta série do ensino fundamental. Só não sabia escrever. E acho que nunca aprendi, Até hoje minha caligrafia é horrível, Nunca escrevi, sempre expressei o que sentia através de teclados; primeiro de uma máquina de escrever, depois de um computador. Mas desde aquele titubeante Co-ca-co-la, pelos meus olhos, Monteiro Lobato, Malba Tahan, Vitor Hugo, Pirandello, Calderón de la Barca, Lope de Vega, Pablo Neruda, Antonio Machado, Isaac Asimov, Tom Clancy, Morris West, Chico Anysio, Jo Soares, Paulo Coelho, Carlos Castañeda, Trigueirinho, Allan Kardec, Chico Xavier, Benítez, Borges, Cortázar, García Marques, Jorge Amado, Rabindranath Tagore, Sans Éxupery, Lampeduza, Mika Waltari, Ken Follet, Mary Shelley, Agatha Christie, Conan Doyle, Bram Stoker, Tolkien, Frank Herbert, Hermann Hesse, Richard Bach, Arthur C Clark, Deepak Chopra, Rudyard Kipling, Disney, Esopo, Andersen, Grimm, Thomas Mann, Veríssimos Pai e Filho, e centenas de outros, mais de mil livros lidos, mais de mil viagens no tempo, no espaço, na alma. Mais de mil lições aprendidas, mais de mil culturas vislumbradas. Centenas de Mestres em milhares de lições. Quatro idiomas aprendidos. Dezenas de voltas ao mundo sem sair do lugar. A todos esses grandes homens que deixaram suas almas abertas para a eternidade, e que me proporcionaram, emoção, alegria, encantamento, lágrimas, aprendizado, minha mais profunda reverência, Salaam Aleikum; Shalom Aleichem, Namastê, Axé.