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quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Da Série Coletivos Capítulo 4: Por favor Professor sente aqui.

Você aí que é professor. alguma vez já te perguntaram com o que você realmente ganha a vida? Ou quando você é uma pessoa que de algum modo se destaca socialmente, e alguém pergunta, "mas você é mesmo só professor?"

Um sujeito entre uma viagem e outra dele pelo mundo afora, vivia me perguntando quando eu iria ter uma profissão de verdade. Tenho absoluta certeza que a rapidez de sua estadia se devia à vergonha que ele sentia por ter um filho professor, não executivo, não diplomata, não juiz,... professor.

Por escolha professor, por opção professor, por 25 anos, professor. Nesse meio tempo também fiz uns bicos, de gerente de multinacional, de coordenador de comércio exterior, mas sem nunca deixar de ter ao menos uma sala de aula. Um lugar onde me sentia importante, não porque estava rodeado de colaboradores aduladores, nem porque ganhasse uma fortuna, ou porque coordenasse uma equipe enorme, me sentia importante porque ali eu era importante. Estava ajudando ativamente no crescimento e no aprimoramento de seres humanos, abrindo horizontes, fazendo pessoas acreditarem-se capazes.

Alguns de meus melhores alunos lerão estas linhas e se reconhecerão nelas, pois a uns poucos eu contaminei com esse amor incondicional ao conhecimento e hoje são também professores  e professoras. Fui até professor de professores, onde aprendi e ensinei, a ensinar...

Sei que mudei muitas vidas, mas confesso que alguns dos momentos mais especiais desta minha moralmente recompensadora carreira como professor foram aqueles cuja remuneração única era a satisfação de estar ensinando. Eram as turmas voluntárias dentro das empresas em que trabalhava.

Daí o fato que de certo modo resume toda minha escolha por dedicar um quarto de século da minha vida ao magistério ter acontecido em um ônibus.

Eu morava em Sorocaba, diariamente tomava 3 ônibus para ir ao trabalho, saindo do Jardim Ouro Fino, tomava o ônibus lotado, aproveitava a ajuda que a inclinação da subida da Av Américo Brasiliense dava para literalmente escorregar entre os demais passageiros até o fundo do ônibus onde o ar ainda podia ser respirado, ou onde havia espaço para dilatar os pulmões ao menos.

Dali chegando ao terminal Santo Antonio, tomava o Expresso que me conduzia ao Terminal São Paulo de onde pegava o derradeiro suplício matinal, o Éden. Ônibus que atendia ao distrito industrial da industriosa cidade conhecida como Manchester Paulista. A partir da saída do ônibus do terminal eram cronometrados 35 minutos até a parada mais próxima de nosso destino, a empresa onde trabalhávamos. Digo nosso porque éramos sempre cinco os que tomavam esse coletivo, quatro rapazes da linha de produção e eu da área administrativa.

Em uma ambição justa de poder crescer dentro da empresa, uma multinacional alemã, os jovens operários decidiram por fazer um curso de idiomas, dados os parcos recursos financeiros que tinham acabaram por escolher uma arapuca local com nome de duas letras, que conseguia transformar um semestre de um curso convencional em quase dois anos de curso com mensalidades a preços irrisórios. e que pagava salários irrisórios aos professores diga-se de passagem.

Todos os dias pela manhã eles levavam a apostila do curso de Inglês para o ônibus e aproveitavam o percurso até a empresa para fazer um tira dúvidas comigo, e praticar um pouco do que tinham aprendido. Fazíamos isso a princípio de pé perto do fundo do ônibus. Ficava bastante incômodo tanto para mim quanto para eles fazer as correções na apostila ou ler os textos em voz alta. Sem contar a vergonha de fazer isso com tanta gente olhando e prestando atenção nesse plantão de dúvidas. 

Mas curiosamente, considerando que os frequentadores do ônibus eram quase sempre os mesmos, por questão de horário, começaram a me receber na fila com um sorriso e um bom dia. E com o passar dos dias os dois bancos do fundo começaram a aparecer sempre vazios para nós, eu de pé eles sentados fazendo sua lição, enquanto isso os outros passageiros, mantinham um respeitoso silêncio ao nosso redor. 

Me lembro até hoje uma vez que cheguei um pouco atrasado os rapazes já estavam na fila e eu fui me colocar ao final dela, quando todos que ali estavam me disseram: Não Não, vá na frente, vá com eles Professor.  E ponho aqui Professor com maiúscula, porque na boca e nos olhos deles o respeito dado ao pronunciar a palavra era maiúsculo. Professor.

Os motoristas mudavam de vez em quando e a história foi se difundindo... 

Uma vez um candidato a vereador deu uma fechada no ônibus em frente à rodoviária para deixar sua esposa, parando exatamente no ponto de ônibus, durante dez minutos fiz um verdadeiro comício contra o arrogante em frente ao ponto de ônibus, ao subir no coletivo, o motorista agradecido me disse, Valeu Professor, enquanto todos os passageiros sorriam pela minha atitude.

Outra vez, para defender duas meninas que estavam sendo vítimas de assédio, acabei me engalfinhando com um sujeito dentro do ônibus que vinha da cidade universitária, o motorista parou o ônibus na frente do posto policial do terminal, o tarado e eu saímos conduzidos, atrás de mim, vinte alunos com RG na mão para se oferecer como testemunha, "o Professor tava defendendo as minas seu guarda"

Durante anos, sempre que subisse a um ônibus em Sorocaba, ao dizer Bom Dia ao motorista, recebia um respeitoso sorriso e a retribuição Bom Dia.  Professor...





Um comentário:

  1. Uau, me emocionei minha companheira é professora e sei o quanto é uma profissão difícil, o quanto é trabalhoso, o quanto de fins de semana de correria, o quanto programas perdemos e quantas e quantas madrugadas sentadas as duas na mesa de nossa varanda corrigindo provas e fazendo diários. E o quanto é penoso quando ela chega chateada quando um aluno não reconhece o trabalho dela e o quanto é gratificante quando ela é reconhecida, por saber o que é essa profissão o meu respeito é imenso e minha briga é muita quando as pessoas zombam dessa profissão magnífica...

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