Translate

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Um inquilino muito especial.

 Tinha muros altos, na parte posterior podia_se ver as placas solares que davam energia ao imóvel. Eu passava por ali a várias horas do dia. O rádio lá dentro era companhia constante. Sempre em um volume que não incomodasse. Ouvia a bomba ser acionada sempre no momento da irrigação do jardim. Muitas árvores  e arbustos no quintal impediam que se olhasse pra dentro da casa. O muro, há muito descolorido recebia cal, e propagandas. Meu trabalho era encontrar focos da dengue, mas nunca houve reclamações daquela casa. Entretanto a calma total daquela propriedade me fascinava. Simples, absoluta, intocada. Intocada por todos, menos pelo tempo. Um dia percebi que o portão estava corroído. Foi a primeira vez que pensei que quem estivesse lá dentro podia estar com dificuldades de movimento ou problemas financeiros. Resolvi entrar. Tudo estava absolutamente arrumado, em perfeito e absoluto estado de conservação. No chão tão somente as marcas do vai e vem dos gatos. Gatos esses que pareciam entender a sacralidade do local, não havia fezes, nem restos, nem odores desagradáveis. Cada objeto tinha a mesma cor beje avermelhada dos anos de pó acumulados sobre absolutamente tudo. Vasculhei cada cômodo só para constatar o completo desuso e sua única ocupante, a poeira, que com ares de areias do tempo parecia querer enterrar tudo por ali. Não ousei tocar em nada. Ao fundo o barulho da água caindo da fonte me trouxe de volta aos vivos. Caminhei até o quintal de quase um quarteirão, rodeado de muros altos cheio de árvores enormes e quase totalmente tomado pelo mato. Exceto por um pedaço, um gazebo com piso de pedra todo coberto de bounganvilias. No meio um banco de madeira, á guisa de trono com alguém sentado nele. Nada assustador, nenhuma caveira, nem a visão horrorosa de um morto vivo se desfazendo no andar. Parecia uma estátua de cera prestes a ganhar vida novamente. Sereno em seu sorriso imortal, olhando para sua casa como a admirar algo muito amado. Acho que depois de tanto tempo, talvez anos que ninguém pisava ali, eu fosse o primeiro a saber daquele gentil falecido que me recebia de sorriso aberto. Não pude evitar o choro, provavelmente o único que ele recebeu. Saí de lá em um silêncio total. Comprei uma corrente e voltei a selar o portão. 


Se voltei alguma vez?


Claro! Já troquei algumas placas solares. Levei a bomba para consertar. Cuido do belo jardim. Paguei as contas atrasadas para que ninguém perturbe meu amigo, que achei bem chamar de Plácido. Todos os dias, a caminho de casa, me sento ao lado dele por uns minutos antes do pôr do sol. Sempre me pergunto quem ele era, o que fazia, se tinha família. Mas nunca achei certo remexer nas coisas dele para descobrir. Já tem dez anos que pago os impostos da casa, um dia alguém finalmente terá alguma razão para entrar lá e dar fim ao descanso de meu grande amigo Plácido, ele será identificado, enterrado, e devolvido ao sistema para sua devida baixa. Nossas conversas irão acabar e eu perderei um grande mestre. Nesse momento, então, quando o inevitável acontecer, reivindicarei o usucapião da propriedade e darei a ela um uso filantrópico digno da lembrança de meu amigo Plácido Generoso que em paz descansará nas minhas memórias. Memórias estas que um dia também descansarão neste que é pra mim, o mais belo dos jardins. 


Autor: Ralf Thibes 15 de Agosto de 2021.

Só porque deu vontade de escrever. 


#aruandaomaiorquilombodouniverso

#ancestra 

#umbanda 

#GoodVibes

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por comentar!