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quinta-feira, 15 de outubro de 2015

De uma professora... Uma como tantas... Uma como nenhuma...

Queria falar de uma professora. Uma que eu conheci.

Tão professora, mas tão professora, que já com mais de 90 anos, em seus delírios de loucura senil, deitada na cama, dava aulas, chamava os nomes dos alunos, repartia deveres, corrigia tarefas, na mão a régua imaginária apontava o quadro negro e profundo de suas lembranças, quando sua mente livre vagava pelos lugares onde fora mais feliz, a sala de aula ...

Não é uma professora de hoje, não, ela foi professora há muito tempo, por muito tempo. Diria que olhando aqui dentro de meu coração continua sendo.

Nos tempos em que APENAS no Sul Paulista era a "Atenas do Sul Paulista", ela se formou. Saiu do Instituto Peixoto Gomide com seu diploma de professora. Condição Sine Qua Non, para que se permitisse seu casamento.

"Mulher minha não vai trabalhar de professorinha" dizia um marido, tropeiro orgulhoso, que muito em breve perderia  tudo e dependeria por décadas  desse salário para completar a renda do sitiozinho que restou e criar os oito filhos vingados de dez paridos ao longo de seu magistério.

Sim de seu magistério porque sua vida foi um constante magistério. Mulher rígida de sorriso difícil.
Criou cinco homens e três professoras.. Submissa como toda boa esposa da virada do século. Mestra rural, professora de um lugar desconhecido Bairro dos Veados, hoje Bairro Tupi; acredito que ninguém questionará a mudança do nome.

Mas porque falar de uma professorinha de escola rural de antes da época do guaraná de rolha?

Recentemente a filha mais nova dela precisou destinar uma série de documentos da época da formatura de sua mãe, diários de classe quase centenários, foto da turma de formandos. Sem saber o que fazer mas inconformada com a possibilidade de jogar fora, me consultou...

Me lembrei do arquivo histórico da prefeitura de Itapetininga, na Casa da Cultura.  Um acervo imenso e quase desconhecido com a valente e bonita história de uma cidade que hoje Apenas no Sul Paulista. Uma cidade que enterra seu glorioso passado na ignorância e no esquecimento a cada dia. Mas ainda assim um lugar merecido para um material tão antigo e bem conservado.

Ao chegar lá a professora mais nova teve suas lembranças e recordações esclarecidas. A professorinha rural tinha dado aula na escola rural, no campo de batalha durante a Revolução Constitucionalista de 39, tinha acudido os feridos da luta na pequena escola.  A professorinha tinha entre seus diários, entre seus alunos, pessoas que foram importantes na história da então ATENAS do SUL Paulista.

Depois foi professora no Instituto Peixoto Gomide, formou centenas de outros professores que foram formar centenas de escolas normais pelo Brasil afora 25% dos novos professores formados no Estado de São Paulo. (Naquele tempo o Peixoto Gomide era uma das raríssimas escolas normais, formadoras de professores no interior do Brasil).  Visite este site e aprenda mais da nossa história: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/neh/1825-1896/1895_Escola_Modelo_de_Itapetininga.pdf

E ela estava lá fazendo história, construindo um país, formando um professor atrás do outro.

A professorinha cuja alma se negou a deixar de ensinar, tinha feito história, uma história que nem seus descendentes tinham cabal conhecimento ou sequer lembrança.

Todo esse material está lá agora é ACERVO provavelmente silencioso, pouco visitado, mas disponível, valorizado, honrado e  inextinguível da contribuição de uma Mulher, Mãe, Mestra, Maria.

Esta homenagem vai para minha primeira professora; cujo sangue orgulhosamente carrego em minhas veias e honro a cada dia.

Minha Avó Maria José Rocha Thibes - PROFESSORA - Parte viva, ativa e construtiva da história deste meu País.

Se pudéssemos traçar uma linha, uma genealogia de mestres a partir desta mulher, que formou professores, que formaram professores que formaram outros professores, mas que ao mesmo tempo formaram pessoas, profissionais. Quantos deste nosso imenso país não terão bebido direta ou indiretamente dessa fonte de conhecimentos que tantos, com olhos rasos de gratidão chamaram de Professora, de Dona Maria, e que eu resumidamente chamei de Vó...

Tão importante e ao mesmo tempo com uma contribuição tão ignorada, tão desconhecida, tão pouco valorizada.

Faço agora algo que aprendi aqui em Goiás, e que nunca tinha feito antes pois não era costume em nossa família.

Sua Bença Vó !!!!! Feliz dia do Professor. 15 de Outubro de 2015.


Alterado em 16 de Outubro: Como esta história é viva, minha mãe contou-me hoje que, durante o longo período em que esta professora, mãe, avó ficou acamada, recebia a visita de um Desembargador da cidade, alguém que sempre que podia a visitava. Este homem, sabendo que não seria mais reconhecido, tinha sido aluno dela, na roça, no puxadinho, já adulto, e mesmo alfabetizado com tanto atraso chegou a Desembargador do Estado. Dizia sempre, com a gratidão escorrendo dos olhos, que não teria chegado lá não fosse por essa professora. Quando seu filho casou-se, a Professora era o convite de honra que ele gostaria de ter feito, mas ela já havia finalmente descansado, partido para a Pátria Espiritual. 

Aceito contribuições...
1936 - Na escola rural, a Professora Maria José Rocha Thibes do lado direito com seus alunos, entre eles o filho mais velho, segunda fila, quarto da esquerda para a direita. A escola construída com recursos próprios sem apoio do governo alfabetizou dezenas de crianças e adultos, uma delas chegou a Desembargador do Estado, serviu também como hospital de campanha para o exército revolucionário paulista.


2 comentários:

  1. Oi Thi!
    Belas palavras. Sempre!
    Não canso de dizer o quanto sua escrita é forte e linda.
    Sua avózinha fez história e passou um pouco dessa beleza para você, que pude conhecer e admirar sua sabedoria e inteligência admirável.

    Bjão.

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    1. Obrigado amigo, seus elogios sempre me deixam sem jeito, rsrsrs. Mas agradeço sempre.

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